A Umbanda e sua Magia

UMBANDA : SÍNTESE DE MAGIA UNIVERSAL – (Por MÍRIAM DE OXALÁ).

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A UMBANDA E SUA MAGIA:

“Os povos da África, com seus conhecimentos sobre magia, se aproximam de uma verdade transcendente que não nos escapa.” Jean-Pierre Bayard, folclorista. Cada pessoa escolhe sua religião conforme seus anseios, seus pontos de vista, sua maneira de viver e enxergar o mundo. Ao nosso ver, a Umbanda traz inúmeras vantagens: - É a única religião desprovida de preconceito racial, ensinando aos seus adeptos a respeitarem-se mutuamente, de verdade.As demais pregam, mas não cumprem o papel de transformadoras no modo de pensar de seus freqüentadores. Já ao chegarmos veremos os altares repletos de imagens de negros escravos, índios, brancos, santos católicos, Orixás. - Não apenas prega, mas vivencia a tolerância religiosa, sendo ela mesma formada por várias religiões. - Despe-se do preconceito sexual, onde a mulher não é vista como inferior, “indutora do pecado”, reeducando seus adeptos a respeitá-la como igual (ou superior) em nossas casas, encontrando-as dirigindo em grande maioria (poucas religiões permitem o comando feminino ou tê-las em seu quadro de sacerdotes). O mesmo dizemos do homossexual, motivo de crítica por encontrá-los tantos nos cultos afrobrasileiros, já que quase todas as religiões os expulsam, os vêem como desprezíveis, “doentes”, perniciosos, não permitindo seu crescimento espiritual. Nela, todos podem ascender à direção de um terreiro, contanto que tenham qualidades pessoais e anuência dos guias para isso. - Permite maleabilidade aos seus adeptos, com poucas proibições religiosas (àquelas ligadas à liturgia).- Homens e mulheres, independentes de raça, podem ser inclusos em seus quadros de médiuns. Crianças a partir de 14 anos, antes em casos raros. - Seu cacique, seu dirigente espiritual, não é visto como um semideus, um “abençoado”, incorporando a própria Divindade. É apenas um médium munido de autoridade para comandar um centro religioso. - Apesar do pouco apoio, mantêm-se em uma caridade produtiva auxiliando populações carentes em todos os pontos do país, em grande escala. Não é gananciosa, havendo apenas a cobrança de pequenos valores desde que revertam para a sociedade integralmente.  Todos os espíritos vêm para dar consultas em um consolo direto, caso a caso. Não dá mensagens impessoais, nem seus guias (e Orixás) isolam-se do público. Há participação. - Sua iniciação é simples, dependendo do axé do indivíduo, bem como os compromissos junto ao terreiro. Em algumasreligiões o compromisso é diário, impedindo seus dirigentes e médiuns de exercer profissões, de manter sua vida pessoal pela exclusividade exigida diariamente. - Através da presença dos Exus e Pombagiras (na dependência da índole dos dirigentes, seu grupo e a permissividade dada a eles), ensinam aos seus médiuns e freqüentadores de nossos terreiros como lidar com sua sexualidade de forma salutar, bem como vivenciar sua liberdade individual com responsabilidade. - Lida com magia positiva, abominando a magia negra (negativa), buscando trazer benefícios, defesa e bem-estar à comunidade, aos seus membros e público freqüentador. A magia negativa não faz parte das bases da Umbanda. 

A Umbanda e suas diretrizes básicas:

“Vela grande não me ilumina,toco de vela me iluminou...” Sabedoria presente em estribilho de ponto dedicado ao Povo de Exu. Nenhum autor poderá dar uma palavra final determinando o que se pode e o que não se pode fazer, na Umbanda. Nenhuma religião, mesmo as mais tradicionais, é estanque. Fazem parte de um processo dinâmico evoluindo (e espera-se), melhorando, adaptando-se aos novos tempos e costumes. E porque isso  ocorre? 

O que é mesmo uma religião?

  A maioria delas atribui a si uma fundação/formação por um ser enviado pelos Céus , “ditada por Deus”, os textos mestres sendo “encontrados misteriosamente” expressando a palavra literal divina, indiscutivelmente. Na realidade, quando uma religião surge em determinado momento, expressa o desejo de um grupo social em ser aceito por outro grupo preponderante pela exclusão do primeiro em seus cultos. Ou quando seu fundador (ou grupo) quer centralizar em si o poder e torná-la meio de atuar sobre os seus. De forma mais clara, Deus é o mesmo: as religiões são invenções humanas.  

E qual o papel da Umbanda, no rol de todas as religiões?

  Nascida de um processo natural, simultâneo portanto, da rebeldia das iaôs quando não mais aceitavam a impossibilidade da chegada dos espíritos de seus ancestrais, nas rodas do tradicional Candomblé, para conforto do público freqüentador, nasceu o Candomblé de Caboclo já trazendo consigo a maleabilidade congo-angola, a entrada de homens como membros, da nomenclatura e princípios nagô, da pajelança ameríndia, do Espiritismo, da cultura popular de origem européia. Mas como todo processo dinâmico, não há data precisa para seu início nem poderemos dizer quem foi o primeiro guia incorporado em fulano ou beltrano; certo há duas coisas: o incidente ocorrido em Niterói com o Caboclo das Sete Encruzilhadas como marco inicial de uma nova religião organizada (a Umbanda), fixando-lhe seus princípios; a segunda, por concordância de vários autores, os primeiros a vir foram os Caboclos, posteriormente Pretos-Velhos/Crianças (Linha das Almas) e, mais tardiamente, Exus. Todas as nações expressam seu subconsciente coletivo nas religiões adotadas. Lá estão seus desejos, aspirações, conceitos próprios de moralidade sintetizados em seus mitos. O Brasil, pela sua diversidade étnica aparentemente incompatível entre si, acabou fundindo-se em um tipo muito complexo onde o pesquisador estrangeiro não consegue apreender-lhe suas incríveis diferenças regionais guardando similaridades importantíssimas para qualquer estudo pois, justamente, são esses pontos de interseção as chaves do caráter do povo brasileiro. E são esses pontos aqueles capazes de desenhar, ininterruptamente, a mais nacional de todas as religiões: a Umbanda. Nela vemos, desde a letra de nosso hino com os ditos “Umbanda é paz e amor”, o caráter pacífico de todo o nosso povo que jamais abraçaria uma doutrina guerreira, bairrista, intransigente. Em todos os cultos afro-brasileiros, muito incompreendidos por isso, encontramos a tolerância típica da cultura negra tratando o homossexual com respeito em uma das pouquíssimas religiões a permitir-lhe o acesso e crescimento dentro do quadro hierárquico. Não poderíamos deixar de citar a presença da mulher em nossos terreiros e roças liderando a maioria dos templos, lugares esses aonde não serávista como portadora das piores maldições por ser a grande responsável pela queda da Humanidade, nos mitos arianos. Aparece aqui e ali o desapego do índio, do negro aos bens materiais fazendo nossa religião simples e, igualmente, desapegada praticando a caridade em pontos de socorro espalhados por todo o país. Nos Exus encontramos nosso perfil boêmio, sensual na figura de velhos malandros povoando nossas antigas noites quando ainda vivos e, nem por isso, deixando de ter sua oportunidade adquirindo “perdão no Além” através do trabalho de auxílio. Qual a religião que eleva ancestrais tão simples, como antigos escravos ou índios, à categoria de verdadeiros santos a povoar-lhe os altares? Somente um povo como o brasileiro seria capaz de tratar dos tipos excluídos do seu grupo social esquecendo o preconceito, quando, por sua vez, encontraríamos na maioria dos povos a perseguição gratuita. Quem teria esse desapego resultante de condições seculares (desde o “descobrimento”) mínimas de sobrevivência fazendo-o ter como único luxo apenas o absolutamente necessário, moldando-lhe extraordinária solidariedade? Esse respeito à todas as raças por reconhecer em suas veias todas as cores? Esse povo produziu a Umbanda, religião tipicamente brasileira que, para entendê-la em sua estrutura, é vital conhecer a formação íntima de nossa nacionalidade com o fim de evitar-se as comparações menos felizes sempre girando em torno de uma pretensa “impureza” no respeito às tradições, por ser a grande responsável por deturpar-lhe os princípios (ditas geralmente pelos “puristas” dos cultos afro-brasileiros, puritanos, “intelectuais” parciais, acadêmicos sem sensibilidade) aprendendo a libertar-se das amarras do convencionalismo rotulador deixado pela herança européia. E, nem por isso, nosso próprio povo muitas vezes não consegue compreender-lhe a grandeza ao envergonhar-se dos seus povos ancestrais, bem como da religião mais parecida com sua fisionomia, crivando-a de impropérios. Como já dissemos, a Umbanda faz parte de um processo dinâmico com o aumento das cidades e regiões metropolitanas cujos centros encontramos, cada vez mais, casas luxuosas para cultos-espetáculo com a presença predominante de Exus, inversamente proporcional aos rituais em torno dos Pretos-Velhos, Crianças (Yori) e Caboclos. No interior, ocorre justamente o oposto pelo conservadorismo referente às antigas tradições (os primeiros terreiros) de origem. Nessas regiões com destaque ao culto a Exu, passaram a ser incrementadas a partir das últimas décadas (anos setenta, recente portanto) ficando sem parâmetros anteriores para a adoção dessas entidades, passando a honrá-los com sacrifícios animais à semelhança dos Orixás africanistas, colocação de inhálas (as “partes portadoras de axé”) adornadas com a plumagem das aves de cores algumas vezes não correspondentes às entidades (algumas casas usam até aves brancas, sob a alegação de que a entidade “alimentar-se-ia” com a energia dispersa do sangue no sacrifício), promovendo com tudo isso uma terrível confusão entre o Orixá Exu (3) com o nosso Exu de capa e cartola, esses últimos chamados por muitos dirigentes como “Energias da Natureza”, conceito atribuído geralmente aos primeiros. Veio junto o péssimo hábito da postura de carcaças nas encruzilhadas por temor de ingerir a carne sacrificada à uma forca tão caótica (e perigosa), equivocadamente. Mas o pior, para os conhecedores dos cultos afro-brasileiros, é a postura de materiais e sangue na cabeça dos médiuns em ritos nas encruzilhadas para “consagrá-la a Exu” contrariando-se todo e qualquer princípio do que é ori e Orixá. Essa última prática cria a leva de médiuns muito mal informados (e mal direcionados pelos seus dirigentes) dizendo-se ser “de cabeça de Pombagira” ou de “Exu” como se isso fosse possível: e, surpreendentemente quando inquiridos, dizem que “se Bará (Exu, Orixá) pode ser o dono da cabeça de alguém, Exu de Umbanda também pode”. Essas “invencionices” dos mais jovens, vendo-se de repente trabalhando com Exu - mas sem qualquer tipo de informação anterior - tem criado mal-estar em toda a nossa religião por essas razões e muitas outras, acabando por não serem aceitos seus templos, caciques, médiuns e fundamentos. Essa desagregação não havia nos primórdios quando haveria certa conivência de idéias bem como na aparência exterior dos templos. Criou-se, a partir de então, um separativismo estranho entre aqueles que sacrificavam qualquer coisa a Exu em quantidades absurdas, dando-lhes primazia nos cultos (ignorando a presença das outras Sete Linhas), fazendo o bem ou o mal se pagos fossem, pintando de negro ou vermelho as sempre alvas paredes de todos os templos afro-brasileiros, transformando-os em verdadeiros cabarés do século passado, em castelos vampirescos, passando a sedimentar-se em um grupo à parte auto-intitulando-se em uma nova modalidade como “Exubandeiros”, “Quimbandeiros”. Apesar de nossa discordância pessoal alicerçada em tudo o que sabemos sobre as origens africanas e da própria Umbanda, os ditos “Exubandeiros” não foram criados por acaso. Aliás nada surge do nada. Com a vinda gradativa dos Exus nas sessões para “fazer a caridade” ao lado dos Caboclos e Pretos-Velhos, viu-se a enorme aceitação do público com “as novas entidades” que eram muito francas, com todos os defeitos humanos e linguagem popular, dotados de grande força de ação e respeitabilidade pelo temor que impunham. Ora, o público teve a oportunidade de pedir-lhes o bem e o mal (coisa inadmissível para uma outra entidade de Umbanda) podendo usufruir da liberdade em dizer-lhes qualquer coisa porque eram humanizados e entenderiam seus pedidos, principalmente aqueles amorais. Para terem a autonomia no agir de acordo com a índole de alguns dirigentes e o público freqüentador que nem sempre tem o melhor dos instintos, teriam de desligar-se da submissão à autoridade dos Caboclos, Pretos-Velhos e Crianças (Yori). 

A Umbanda frente ao fundamentalismo Bíblico:

“Porque todos os que são guiados pelo Espírito de Deus esses são filhos de Deus.” Paulo aos Romanos 8:14 Cremos ser o fanatismo uma das piores chagas da Humanidade, assemelhando-se à pesada âncora; não permitindo ao pensamento deslocar-se, sujeitando-se, à primeira tempestade dos problemas naturais da Vida, naufragar. O mesmo ocorre com a fé cega nunca questionando nada, acomodada. Também frente à primeira dificuldade, vai à pique na alma presunçosa de julgar-se cheia de toda a verdade do mundo. Tanto a Umbanda, Candomblé e Cultos de Nação em geral têm enfrentado, desde a chegada dos primeiros escravos, os rótulos mais desabonatórios possíveis em relação ao exterior de seus cultos e fundamentos pelas mais diferentes religiões. As revistas, jornais e televisão, quando emitem ou publicam inverdades sobre nossas casas, recusam retratar-se simplesmente ignorando-nos, como se não fôssemos milhares de indivíduos ligados direta ou indiretamente aos nossos cultos. 

Quando a roça de Candomblé, tombada em dezembro de 1998 pelo patrimônio histórico foi efetivada, apenas um canal de televisão comentou o fato sendo, no dia seguinte, totalmente ignorado pelos jornais. Nossos filhos ainda temem mencionar, em suas matrículas nas escolas, qual é a religião praticada em seus lares. Batizamos ou casamos nas igrejas porque nos ensinam, desde jovens, que os nossos rituais nada valem como efetivos. A sacratíssima Constituição Federal menciona ampla liberdade religiosa mas, na hora de garantir nossos direitos, as portas de nossos representantes se fecham. Eis a amarga realidade vivenciada por nós, bastando olhar para os lados.

Nos últimos tempos surgiram, em profusão, grupos fundamentalistas bíblicos que tem usado interpretações particulares em favor de suas idéias divulgadas em grandes veículos de comunicação de massa, francamente agressivas contra as nossas, evitando trechos inteiros da Bíblia se for conveniente. Acreditamos ser necessário ao umbandista, africanista ou simpatizante ter argumentos quando inquirido, sabendo defender a fé pela qual optou.